A ironia do desemprego alemão

“Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos já fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já desenvolvidas”. (Karl Marx, em fevereiro de 1848).

O desemprego continua sendo o assunto mais polêmico da discussão política na Alemanha. A estimativa de 4,3 milhões de desempregados, anunciada pelo Ministério do Trabalho para o início do ano, tem provocado fortes críticas ao atual governo, que se viu obrigado a dar respostas ao crescente problema social. A oposição de direita, que visualizou na conjuntura uma alternativa para vencer as próximas eleições, recebeu a incisiva resposta do Primeiro Ministro Gerhard Schröder relembrando que, quando estes estavam no poder, no governo anterior, o desemprego havia chegado a 4,5 milhões de pessoas. O Partido Verde, integrante da aliança que compõe o atual governo, exige medidas rápidas e efetivas para a criação de, no mínimo, 100 mil novas vagas de trabalho, o que segundo o governo alemão, custaria 1,5 bilhões de Euros aos cofres públicos. O SPD, partido do Primeiro Ministro, não esconde a preocupação de ter de apresentar alternativas que possam aumentar a esperança dos que procuram por emprego e que, por não encontrarem, dependem dos programas de assistência do Estado.

É a crise do capitalismo que, em seu estágio avançado, não consegue criar oportunidades de geração de renda na sociedade, que sejam compatíveis com as necessidades de sua população. Do ponto de vista da lucratividade, a redução de trabalhadores, parte integrante do custo de produção das mercadorias, é vantajosa aos empresários que, por sua vez, apresentam o desemprego como reflexo da planejada modernização adotada no processo produtivo.

A culpa é inferida ao “mercado”, à “falta de iniciativa”, à ausência de programas de fomento ao desenvolvimento por parte do Estado. Entretanto, o discurso ideológico atinge seu ápice com a tentativa de responsabilizar os trabalhadores, legítimos responsáveis pela criação da riqueza e pelo conseqüente desenvolvimento econômico da sociedade, como culpados pela sua própria exclusão. A idéia fundante é que, com uma melhor qualificação técnica, os trabalhadores teriam maiores chances de emprego num mercado de trabalho em declínio. Auxiliam nessa justificativa, dados recentes demonstrando que a Alemanha, maior potência econômica da Europa, ocupa um dos últimos lugares em qualidade de educação. O estímulo ao aumento da competitividade entre os trabalhadores e a aposta no crescimento econômico são propostas conhecidas para aumentar a empregabilidade. Seriam elas eficientes ou meros instrumentos retóricos a serviço da manutenção da hegemonia política?

A idéia da competitividade pressupõe a ausência de algo, no caso, o emprego, o que tem se aprofundado, apesar dos esforços dispendidos em qualificação técnica. Aliás, a introdução de novas tecnologias, às quais os trabalhadores dioturnamente estão aderindo, tem agravado a situação, pois, com isso, muitas atividades e, inclusive, profissões, vêm sendo eliminadas. Como uma das causas do problema poderia se converter em sua solução? Com exceção das novas atividades geradas, que representam pouco em relação às que deixaram de ter “utilidade” ao capital, os trabalhadores são excluídos da economia numa proporção maior do que sua qualificação profissional. Resta a idéia, lógica à noção de competitividade, de que a qualificação técnica é uma alternativa individual ao desemprego. Por isso, a idéia da empregabilidade vinculada à competição, ao admitir a ausência de oportunidade para todos, expressa seu caráter ideológico, prometendo saídas ilusórias a uma coletividade previsivelmente enganada.

O aumento da produtividade decorrente da utilização de tecnologias tem permitido um maior acúmulo de capital, dispensando parte dos trabalhadores no processo produtivo. Nesta lógica, um maior desenvolvimento econômico traria mais oportunidades de trabalho? O crescimento econômico capitalista ocorre às custas dos trabalhadores, mas estes, historicamente, têm sido as maiores vítimas das suas crises. Por produzirem demais e por dispenderem suas energias na criação de tecnologias a serviço do aumento de um capital que “legalmente” não lhes pertence, os trabalhadores pagam o preço de sua abnegação. Mesmo num país altamente industrializado o problema da exclusão continua sem respostas eficazes, restando aos administradores do capitalismo a missão de tentar reduzir os efeitos de uma desigualdade que lhe é intrínseca e, por ironia, contrastante com a capacidade produtiva de sua economia.

 Publicado na REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO
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