Da esquerda para o “centro”?

Uma tendência continua impressionando no interior da política: a tendência do “centro”. Muitos partidos, que antes se denominavam como de esquerda, afirmam atualmente que estariam no “centro”. Já há mais tempo, o SPD (Partido Social-democrata Alemão) assumiu e tirou proveito do “espaço do centro”. Recentemente, o Partido Verde, que há quatro anos está coligado no governo alemão com o SPD, decidiu que já não se define mais como esquerda e tomou o caminho do “centro”. Também em outros países algo semelhante se tornou atual. Mas o que se pretende com isso e o que, na realidade, se pode entender pelo conceito “centro”?

Se existe um “centro”, isso também pressupõe que hajam outras posições, entre as quais seja possível ser de “centro”. Até então, era bem conhecido o contraste entre direita e esquerda, através do qual se podia dizer que, a priori, a direita é conservadora e a esquerda revolucionária. Originalmente esta diferença está relacionada à Revolução Francesa de 1789, onde, por ocasião da Assembléia Nacional, os grupos liberais, então revolucionários, sentaram à esquerda (do ponto de vista da mesa da coordenação dos trabalhos) e os conservadores à direita. Mais tarde, com o surgimento do marxismo, é acrescentada a idéia de que, no período capitalista, os socialistas, os novos revolucionários, são classificados como de esquerda, e os liberais, que querem manter o capitalismo, são conhecidos como de direita. Evidentemente, porque seu poder depende também da manipulação ideológica, ao contrário da esquerda, a direita nunca se mostrou satisfeita com seu “título” e sempre procurou afirmar, de variados modos, que não existia a diferença entre direita e esquerda.

Desde a queda do muro de Berlin e o desmoronamento das experiências socialistas no leste, o revisionismo do marxismo tem aumentado muito e influenciado mundialmente os partidos de esquerda. Muitos partidos não queriam mais ser conhecidos como socialistas e se tornou cada vez mais difícil diferenciar a esquerda da direita. A novidade neste contexto é que, atualmente, os até agora partidos de esquerda não querem mais ser de esquerda e, tão simplesmente, afirmam ser o “centro” ou a “centro-esquerda”. Mas onde poderia estar, então, o “centro”, se é que não há mais direita e esquerda?

Os partidos que se definem como “centro” respondem da mesma forma que Fukuyama em O fim da história e o último homem: que não existiriam mais ideologias e que o capitalismo seria a única possibilidade de futuro da humanidade. Outros vão mais adiante com esta idéia e acreditam que não haveria mais classes sociais e, por isso, não teria mais significado ser de esquerda e continuar valorizando o conceito de luta de classes. Assim, se deveria ser mais moderno e pragmático para ser mais amplamente aceito, o que seria importante nas disputas eleitorais. Portanto, as eleições não são mais concebidas como um meio de disputa da hegemonia, mas como o objetivo final de todo o fazer político. A noção de “eficácia” está mais relacionada à chegada ao poder político do que à melhoria das condições de vida da população. O que os cidadãos deveriam esperar destes partidos? Por que deveriam se interessar por eleições se já não sabem mais diferenciar os partidos? Na Alemanha, por exemplo, está sendo um grande problema diferenciar, substancialmente, os atuais candidatos a chanceler, Gerhard Schröder (SPD) e Edmund Stoiber (CDU/CSU – União Democrática Cristã/União Social Cristã). Pode ser que, também por isso, cada vez menos pessoas, particularmente jovens, se interessam pela política. O índice de abstenção tem crescido a cada eleição em vários países da Europa, o que, somado à falta de alternativas viáveis de mudança radical pela esquerda, vem favorecendo o ressurgimento de tendências de extrema-direita.

Um grande problema da esquerda é que muitos partidos socialistas, com o decorrer do tempo, perderam sua capacidade de fazer a crítica de fundo ao capitalismo e, conseqüentemente, se tornaram conservadores. Por isso, com a crise da União Soviética, que, em muitos dos casos, inclusive fôra aceita como modelo, e com o avanço do neoliberalismo nos últimos 20 anos, ficou, para muitos, difícil continuar a construção de seu conteúdo socialista.  Então, era mais simples abandonar a perspectiva socialista e se apresentar como “centro”. A direita não teve problema com isso, pois, em princípio, é conservadora e não precisa constantemente se renovar. O liberalismo está à sua disposição e fôra utilizado, sempre que possível, para legitimar a situação. Mas o que haveria restado aqueles partidos que, primeiramente, assumiram o socialismo, não o criticizaram e posteriormente o renegaram? Uma parte destes nem sequer mais possui um projeto de sociedade e os outros assumem progressivamente o liberalismo como referência. É o que, em conjunto, caracteriza o conteúdo do “centro”. Contudo, poder-se-ia ainda perguntar: os partidos, que até agora vêm da esquerda para o “centro”, irão para onde em seguida? A resposta está na história: eles vão ou já estão na direita.

 

Publicado na REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO
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