Transnacionais e transgênicos: o monopólio de sementes e insumos

Antônio Inácio Andrioli*

      No decorrer do desenvolvimento capitalista, também a semente tornou-se uma mercadoria. Enquanto, historicamente, a semente foi para o agricultor, apenas parte guardada da última colheita, atualmente ela tornou-se mais um insumo que precisa ser comprado. Sob uma nova ótica, as possibilidades oferecidas pelos transgênicos aprofundam a mercantilização das sementes, alterando, assim, o seu valor de uso, de tal maneira que acabam por gerar relações cada vez mais dependentes. Juntamente com a semente transgênica, os agricultores acabam comprando, necessariamente, o controle e a determinação externos à sua propriedade. De fora, é determinado o que deve ser cultivado, que insumos serão utilizados no processo de produção, e quanto, enfim, pode ser lucrado. O uso de plantas transgênicas, as quais servem aos interesses das multinacionais que patenteiam a semente, conduzem a uma monopolização inédita e ainda maior do mercado agrícola, assim como à maior inserção das relações capitalistas na agricultura familiar e, conseqüentemente, a uma exclusão ainda maior dos agricultores.

  1. Os interesses das multinacionais

     A disseminação dos transgênicos, na América Latina, deve ser compreendida no contexto da modernização capitalista da agricultura, a qual iniciou, particularmente, a partir da década de 1950, e criou a base para a crescente dependência dos agricultores, através de insumos das multinacionais da indústria química. A chamada “revolução verde” tentou propagar, globalmente, a necessidade do aumento da produção agrícola para combater a fome. Desta forma, o melhoramento genético de sementes poderia contribuir, desenvolvendo variedades adaptadas a determinados locais, as quais seriam mais produtivas e mais resistentes contra doenças e pragas. Contribuiriam, para isso, o uso de tecnologias “modernas”, tais como o adubo químico e os “defensivos agrícolas”. Isto, combinado com o uso de máquinas agrícolas, elevaria a produtividade das propriedades rurais e do trabalho. Assim, a chamada “modernização” da agricultura representava uma oportunidade de expansão da venda de tratores, colheitadeiras, adubos e “defensivos agrícolas”.

     A estratégia da chamada “revolução verde” baseava-se em três elementos interligados: 1) a mecanização, através da produção de tratores, colheitadeiras e equipamentos; 2) a aplicação de adubo químico, pesticidas e medicamentos para a criação de animais; 3) o progresso na biologia, através do desenvolvimento de sementes híbridas e novas raças de animais com potencial produtivo superior. Com a crescente crise das monoculturas, iniciou-se a procura das multinacionais por possibilidades para continuar controlando o mercado agrícola e, ao mesmo tempo, garantir a comercialização de seus produtos. Desafios que puderam suscitar uma demanda da parte do agricultor, como o aumento da produtividade, a diminuição dos custos de produção e a maior facilidade no trabalho, mas, também, melhorias nos próprios produtos, para poder oferecê-los de forma mais atrativa ao consumidor, são vistos como oportunidades pelas multinacionais.

  1. A biotecnologia no centro das atenções

     Com a chamada biotecnologia se abrem grandes expectativas, particularmente, para a agricultura nos países que dependem do aumento da produtividade de alimentos e da diminuição de importações de agroquímicos. A concorrência entre as multinacionais e os países em desenvolvimento, nessa área, ocorreu na década de 1980.  Contudo, a sensação que esse fato pretende criar na sociedade não é nova: ele lembra, fatalmente, a crença no progresso da chamada “revolução verde”, pois os argumentos básicos são simplesmente repetidos, como se nada tivesse sido aprendido da história da “modernização” da agricultura. “A lição talvez mais importante que a ‘revolução verde’ nos ensinou, é que tecnologia em si não é a resposta a determinados problemas, senão meramente um instrumento – certamente muito específico, o qual, tendencialmente, já implica em determinado desenvolvimento social” (Hobbelink, 1989: 10).

     A resposta das multinacionais à crise das monoculturas são os transgênicos. O cultivo de plantas resistentes a herbicida é propagado com o lema “aplicar herbicida ao invés de capinar”, como uma oportunidade para o cultivo em enormes áreas e utilizando pouca força de trabalho. Agregam-se a isto, grandes expectativas de aumentar o mercado mundial do herbicida, visando aumentar os lucros das multinacionais.

  1. Geração de empregos versus conquista de mercados

     Como Mooney (1987) e Hobbelink (1989), nos anos de 1989, já ressaltavam, a transgenia na agricultura é uma estratégia global, com vistas ao controle de toda a produção de alimentos, apresentando grandes oportunidades de mercado, particularmente para algumas multinacionais. Tappeser e outros caracterizam isso como uma guerra do mundo ocidental, travada com armas biotecnológicas, contra a natureza, contra os poucos países menos privilegiados, contra o futuro e contra si mesmos (Tappeser, 1999). A esperança das corporações do setor químico num novo período de prosperidade através das descobertas da biotecnologia é incentivada pelo apoio financeiro dos governos de países industrializados, pois, para eles, trata-se da manutenção da competitividade de sua indústria química, ainda que se trate de um dos setores de menor intensidade de trabalho, sem falar dos riscos para a natureza e a saúde humana. “Efetivamente não se trata de postos de trabalho, isso até os representantes da indústria e da ciência admitem, abertamente, mas sim da garantia de parcelas no mercado mundial” (Riewenherm, 2000: 83). Hans-Günter Gassen, diretor do Instituto da Bioquímica na Universidade Técnica de Darmstadt, confirma essa afirmação, ressaltando que a indústria da biotecnologia deve ser apoiada por se tratar de uma mudança estrutural, apesar de dificilmente criar novos postos de trabalho (Gassen, 1999).

  1. O monopólio como meta

     A transgenia acaba envolvendo enormes investimentos na pesquisa, obtendo seus lucros através de royalties (taxas sobre o uso de tecnologias) e da venda de agrotóxicos. Com o objetivo de dividir entre si o “mercado da alimentação”, poucas multinacionais se mantiveram no mercado para investir maciçamente na transgenia, na expectativa de que seja um bom negócio. Para tanto, a maioria das multinacionais da química aliaram-se comprando as mais importantes empresas produtoras de sementes. Assim, as maiores transacionais da indústria química (Monsanto, Bayer, Syngenta, BASF e DuPont), por intermédio de enormes investimentos em pesquisa, tentam cooptar cada vez mais pesquisadores e universidades públicas para os seus projetos. “Não há outro setor da pesquisa pública em que universidades, laboratórios públicos, empresas privadas e multinacionais cooperem tanto no desenvolvimento e na pesquisa quanto na área da transgenia. Sempre mais pesquisadores de ponta, da pesquisa básica acadêmica, simpatizam com a proposta de comercialização de seus resultados” (Riewenherm, 2000: 85).

     Para a Monsanto, que na década de 1990 investiu 9 bilhões de dólares na compra de empresas, tratava-se de uma questão de “vida ou morte”. A patente, para seu produto mais importante, o total herbicida glifosato, expirou em 2000, e a multinacional apostou em sua estratégia de melhorar sua situação econômica através de sementes resistentes a herbicidas (Ibidem). Brian Tokar, professor no Instituto de Ecologia Social, em Vermont (EUA), ocupa-se, desde o fim da década de 1980, intensivamente, com a história da Monsanto e destaca que a multinacional teve um importante papel tanto na I quanto na II Guerra Mundial, aumentando suas vendas com o fornecimento de produtos químicos ao governo norte-americano. Nos anos de 1960, a Monsanto foi mal-afamada em função do desenvolvimento do Agente Laranja. Este foi um herbicida aplicado, maciçamente, pelos EUA na Guerra da Indochina, provocando não apenas danos ambientais, mas grandes tragédias humanas (intoxicações, abortos, bem como a geração de fetos mal-formados). No final dos anos de 1990, a multinacional se concentrou na produção de sementes e, no Brasil, adquiriu a maior produtora de sementes, a Agroceres. Em 2002, a Monsanto experimentou uma situação complicada quando obteve apenas 4,8 bilhões de dólares de lucro, aproximadamente 1,7 bilhão aquém do ano de 2000, quando ainda mantinha o monopólio sobre a venda do glifosato. (Castanheira, 2003) Não obstante, dois terços das vendas ainda se devem à venda de herbicidas, que integram também os lucros realizados com o Roundup Ultra (variante do glifosato, mais concentrado e efetivo), que estaria sendo aplicado na Colômbia para destruir as plantações de coca. Pelo fato do preço do Roundup ter caído pela metade, em 2000, e a Monsanto ter que disputar com outros concorrentes no mercado, a empresa apostou, objetivamente, na produção de sementes. Das variedades transgênicas existentes no mercado, a Monsanto possui 90% dos direitos de patentes (Tokar, 2004).

     A liberação do cultivo da soja transgênica no Brasil foi estrategicamente interessante para a Monsanto, a fim de que não haja mais mercados constantes para a soja convencional no mundo, forçando, assim, os consumidores europeus a aceitarem os grãos de soja transgênica. Para Jon Ratcliff, da Food and Agriculture Consultancy Services, na Inglaterra, o seguinte prognóstico é muito provável: “Se uma parte da Europa exigir que os animais não sejam mais alimentados com ração transgênica, isso será possível apenas porque o Brasil está oferecendo a soja convencional, sendo que, em 2002, os europeus compraram 9,4 milhões de toneladas. Se o Brasil plantar soja transgênica, a Europa não terá opção, pois não haverá mais soja convencional suficiente no mercado mundial” (citado por Rocha, 2003).

  1. A contaminação como tática

     Para que os transgênicos se impusessem como “obrigatórios” na agricultura, introduziu-se a tática da contaminação de lavouras através de sementes contrabandeadas. “A tática mais efetiva é a gradativa e global contaminação transgênica” (Buntzel; Sahai, 2005:189). Neste sentido, a estratégia é aplicada, propositalmente, pela Monsanto, na América Latina, concretizando-se pelos seguintes passos: a) acostumar os agricultores ao uso do herbicida, o que está ocorrendo desde o início da década de 1990 com o “plantio direto”; b) influenciar a pesquisa pública, particularmente, pelo financiamento de pesquisas e instituições de pesquisa, bem como pela conexão com os institutos de pesquisa e suas direções; c) adquirir empresas produtoras de sementes nos países e monopolizar sua produção; d) escolher uma região e aguardar a contaminação (neste caso, a Argentina foi a escolhida na América Latina); e) ganhar, estrategicamente, pesquisadores e políticos para a causa da multinacional;  f) instalar uma rede de técnicos parceiros, através da criação de empresas de assistência técnica que trabalhem em função da multinacional ou de seu financiamento; g) promover enormes campanhas de publicidade, particularmente na TV, no rádio e nos jornais; h) escolher, como propriedades-modelo, agricultores bem-sucedidos nos municípios e apoiá-los, por exemplo, com viagens de estudos; i) criar fatos que diminuam argumentos críticos do público em geral; j) promover ofertas baratas para herbicidas e sementes (isto é,  inicialmente livres de royalties); k) forçar condições legais pelo trabalho de lobby e da influência sobre parlamentos e governos; l) ganhar organizações parceiras para o controle: as cooperativas e outras empresas agrícolas, incumbidas da compra da produção e do fornecimento de insumos (particularmente sementes e herbicidas), que, pela participação, estejam dispostas a cobrar os royalties dos agricultores (Andrioli, 2007: 243).

     A oportunidade das multinacionais em terem, na América Latina, condições ideais para criar uma aceitação entre os agricultores sem terem de temer uma resistência organizada por parte dos consumidores e governos, explica os avanços atuais de plantas transgênicas no continente. Por detrás disto, reconhece-se uma estratégia clara voltada à expansão dos produtos transgênicos no mercado mundial. A soja e o milho representam as plantas transgênicas mais importantes. Já em 1994, a multinacional Monsanto, de atuação global, obteve a licença para o plantio de soja resistente a herbicida, a soja Roundup Ready (soja RR), cuja primeira produção chegou à Europa em 1996, sob fortes protestos de organizações ambientalistas e de consumidores, causando o primeiro grande conflito em torno das plantas transgênicas. A seguir, o cultivo da soja RR foi também liberado no Japão, no Canadá, na Argentina e no México. No Brasil, a Monsanto iniciou suas pesquisas em 1995 e, já a partir de 1999, a empresa tentou introduzir o cultivo comercial (Agrofolha, 1998).

  1. Plantas do Sul são patenteadas no Norte

O aprofundamento da dependência do hemisfério sul aos países do hemisfério norte tem uma importância política determinante no debate dos transgênicos, considerando que com a tecnologia transgênica as indústrias multinacionais apresentam um grande interesse na diversidade de recursos genéticos existentes no hemisfério sul. A divisão internacional do trabalho, descrita por Wallerstein (1979), continua sendo mantida e aprofundada. Ressaltava o referido autor que os países em desenvolvimento se concentram na exportação de matéria-prima, enquanto os países industrializados se ocupam com produtos manufaturados.

     As multinacionais procuram, no fundo, integrar na economia de mercado capitalista os recursos naturais “ainda não contabilizados” e seus potenciais econômicos, explorando-os com vistas à acumulação de capital. “Tanto a ‘reprodução ampliada’ do capital global, como o crescimento capitalista pela acumulação permanente de novos capitais, somente são possíveis diante da constante troca entre as partes capitalistas e não-capitalistas da economia nacional e internacional, respectivamente” (Lutz, 1984: 58).

     Continua existindo, portanto, a notória estrutura agrícola, em que o Sul deve fornecer a matéria-prima, permanecendo os lucros e o poder econômico no Norte. “Mais de 90% da biodiversidade mundial encontram-se nos países do Sul, mas empresas de países industrializados detêm mais de 97% de todos os direitos autorais” (Mayer et al., 2002: 14). Deduz-se disso que multinacionais do Norte estão autorizadas, por meio de direitos de patentes, a apropriar-se de seres vivos e de conhecimentos tradicionais do Sul, de desenvolver produtos a partir disso e, mais, de oferecê-los aos mesmos países como uma nova invenção, exigindo, assim, o pagamento de royalties por seu uso. “Algumas empresas biotecnológicas ocidentais buscam os genes desses países, providenciam sua propriedade pela patente, desenvolvem novos produtos daí originados e revendem esses produtos – entre outros, aos países do ‘Terceiro Mundo’” (Riewenherm, 2000: 87).

  1. Exploração com outros meios

     Trata-se, aqui, da exploração dos países em desenvolvimento por intermédio de novos meios, sendo que as crises monetárias e o endividamento dos países mais pobres os conduzem a uma beco sem saída, aumentando a dependência da periferia dos centros econômicos. Na economia mundial “globalizada”, as existentes assimetrias entre países pobres e ricos, fundadas no elevado padrão de vida dos países industrializados, são agravadas, exteriorizando custos sociais e ecológicos (Massarat, 1999). Isso acaba gerando novas dependências, assim como o aprofundamento do poderio díspar, tanto entre os países quanto entre os atores nos próprios países em desenvolvimento, no que diz respeito ao acesso desigual aos meios de produção e aos recursos vitais. Tanto a “armadilha do endividamento” quanto a conseguinte dependência financeira de países assumem um papel essencial no que tange à submissão e crescente fragilidade da economia e dos Estado nacionais nos países em desenvolvimento.

  1. A desregulamentação favorável à indústria química

     Governos e empresas dos países industrializados, assim como organizações internacionais, o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional), ressaltam que justamente em função de sua riqueza em recursos genéticos, países em desenvolvimento teriam uma chance de atrair investimentos e elevar suas exportações, melhorando, assim, sua balança comercial, podendo honrar o pagamento da dívida externa. No entanto, para que os investimentos das empresas multinacionais efetivamente fluam aos países em desenvolvimento, foi importante que a legislação possibilitasse formas de garantir seus lucros. “A argumentação se baseia na idéia de que empresas preferem investir num país e transferir tecnologias (ainda que em contrapartida de royalties) quando suas invenções são protegidas contra cópias gratuitas naquele país” (Mayer et al., 2002: 15). Isto é exatamente o que o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual realiza, quando trata do direito à privatização de invenções: “Quem torna uma invenção pública, obtém, com isso, uma proteção contra a imitação ou pode cobrar royalties” (Riewenherm, 2000: 86). E é disso que se trata, primeiramente, nas negociações globais da Organização Mundial do Comércio (OMC), quando se refere à “diminuição de restrições comerciais” na área da transgenia. Condições políticas e jurídicas referentes à temática da biotecnologia são negadas, objetivamente, para que ocorra uma “desregulamentação simpática à indústria”. “A competição pela desregulamentação está prestes a se iniciar em todas as áreas, ou já está ocorrendo (…). A reforma de regulamentação das patentes (TRIPS) sobre seres vivos é o exemplo manifesto” (Weizsäcker, 1998: 08).

     No centro das atenções das multinacionais, neste contexto, está o combate ao Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, pois este impõe padrões de segurança no âmbito internacional, quanto ao trânsito internacional de organismos transgênicos, além de destacar o princípio da precaução. “A importação de organismos transgênicos está sujeita a um processo de homologação, que prevê, necessariamente, uma informação ao país importador pelo exportador e a posterior análise de risco” (Brühl/Meyer, 2001: 27). Governos que, diante da importação de produtos transgênicos, temam por danos ambientais ou para a saúde podem se basear no Protocolo de Cartagena, para proibir tais importações. Os EUA são os que mais se empenham no combate ao Protocolo de Cartagena, alegando a necessidade de abrir mercados com a Organização Mundial do Comércio, para defender seus produtos de exportação. “Em face de seu tradicional balanço do comércio exterior deficitário, os EUA procuram sempre mais mercado para seu excedente agrícola”. Portanto, “abolir a rotulagem obrigatória para produtos de organismos transgênicos e demais entraves comerciais não-tarifários faz parte das metas principais da política de comércio norte-americana” (Maier, 1998: 4). É neste contexto que se pode compreender a ação do governo norte-americano, em 2003, contra a moratória dos transgênicos na União Européia, o que, mundialmente, acabou explicitando a interconexão dos transgênicos com a crítica à globalização. “Desde que Bush impetrou uma ação, em maio de 2003, junto à Organização Mundial do Comércio, contra a moratória européia sobre os transgênicos, a pedido de sua grande patrocinadora Monsanto, a temática da transgenia e da Organização Mundial do Comércio estão, repentinamente, em voga em todo movimento crítico à globalização. Através de sua política contrária ao meio ambiente, sustentada por chavões neoliberais, ele acabou demonstrando, para muitos, a estreita ligação entre a destruição ambiental e a globalização neoliberal” (Mittler, 2003: 17).

  1. Poucas chances para a agricultura familiar

     A tendência à adaptação e à integração das pequenas propriedades rurais ao projeto das multinacionais é estimulada pelo fato destas produzirem cada vez mais para o mercado, limitando a produção para o consumo próprio. “Na agricultura, a modernização agrícola significa a forte expansão das relações de mercado e a crescente substituição da produção de subsistência pela produção voltada ao mercado” (Moore, 1974: 536). Pela intensificação da agricultura voltada à exportação, pode-se esperar, com muita probabilidade, uma crescente destruição da natureza, bem como a exclusão de pequenas propriedades rurais. Neste contexto, parece restar aos pequenos agricultores a alternativa de produzir “autônomos” ou a completa integração das propriedades restantes ao agronegócio. A primeira alternativa não parece interessante para nenhum agricultor moderno, pois também para ele interessa o acesso ao padrão de vida criado pelo capitalismo. A segunda opção existe apenas para uma minoria, que consegue suportar a concorrência e assegurar sua existência, algo principalmente difícil para os pequenos agricultores.

     Com a produção de transgênicos diminuem as chances para a agricultura familiar, pois esta possui pouco poder de investimento para acompanhar o assim chamado progresso tecnológico. Com ela, os agricultores convencionais apenas correm um novo risco, que, no entanto, não estimam como grave: “Ao agricultor a questão dos  transgênicos em culturas vegetais se coloca no mesmo patamar do uso de agrotóxicos e de adubos químicos. Quem descarta estes, distancia-se conscientemente dos métodos convencionais de plantio, assumindo um grande risco econômico” (Bernhard, 1990: 36). A indústria de abastecimento de insumos surgiu neste contexto, e continua com suas pesquisas. Neste caso, tenta-se dirigir a própria demanda por intermédio de novos produtos. “No que consta em meu limitado conhecimento, desconheço qualquer caso em que uma revolução tecnológica agrícola de impacto tenha partido dos próprios agricultores” (Moore, 1974: 536–537).

     Mediante a concentração no âmbito da tecnologia agrícola, cresce o potencial de pesquisa e investimentos das multinacionais. Em função de sua posição oligopolista e dominante no mercado, elas determinam a formação do preço de novos produtos técnicos e influenciam as decisões dos agricultores na escolha e na utilização da tecnologia. O potencial de expansão da indústria agrícola no setor da pesquisa tecnológica torna atraentes os investimentos, na medida em que os direitos da patente possibilitam a apropriação privada de importante parcela dos resultados do desenvolvimento das forças produtivas. A persistência do pequeno agricultor, neste sentido, é vista como chance de mercado para a oferta de produtos tecnológicos, não sendo eliminado em completo enquanto ela ainda apresenta uma utilidade para o capital, isto  é,  enquanto contribui para a sua acumulação.

      O uso da transgenia na agricultura latino-americana intensifica a liberação de forças destrutivas, que afetam tanto a natureza quanto as pessoas que vivem e trabalham no campo. A privatização de recursos naturais e de conhecimentos em prol das multinacionais agrícolas e dos latifundiários aprofunda a desigualdade social, diminuindo, em muito, também as chances de resistência individual dos pequenos produtores. Enquanto o capital, em especial, os insumos, os créditos e a estrutura de processamento e comercialização da produção agrícola, é cada vez mais monopolizado, os pequenos produtores estão sob a crescente pressão de concorrer entre si com tecnologias. A propriedade rural familiar tende a se adaptar ao desenvolvimento tecnológico descrito, em função da alegada maior facilidade e economia do trabalho, e a ser, assim, destruída, o que tem conseqüências catastróficas para o desenvolvimento dos países latino-americanos, nos quais os pequenos agricultores são responsáveis pela maior parte da produção de alimentos.

  1. Referências bibliográficas:

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* Doutor em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Osnabrück (Alemanha). Professor do Mestrado em Educação nas Ciências da Unijuí (Rio Grande do Sul) e do Instituto de Sociologia da Universidade Johannes Kepler de Linz (Áustria). Autor, entre outros, do livro Transgênicos: as sementes do mal. A silenciosa contaminação de solos e alimentos, editado em 2008 pela Editora Expressão Popular. Maiores informações sobre o autor estão disponíveis no site www.andrioli.com.br